DO SUL AO NORTE: construindo outros nortes possíveis
8 companheiros inter-continentais e praticamente 3 mil kilômetros percorridos numa van por Portugal e Espanha entre os dias 27 de abril e 18 de maio de 2007. Assim estava constituída a Caravana cine contra o Deserto Verde, levando por onde passava imagens, notícias, apoio, solidariedade e mensagens de crítica e resistência ao modelo de desenvolvimento que as monoculturas de eucalipto e fábricas de celulose representam no Brasil e no mundo.
A convite de Carbon Trade Watch (de Transnational Institute) 5 representes da Rede alerta contra o Deserto Verde do estado Espírito Santo no Brasil tiveram a oportunidade de trocar experiências com portugueses e espanhóis sobretudo, a respeito das lutas contrárias aos desertos verdes. Do “novo mundo” levamos a experiência de uma década de articulações indígenas, quilombolas, campesinas e de trabalhadores rurais sem terra, diretamente impactados pela monocultura do eucalipto, com ativistas, militantes, acadêmicos, sindicalistas, defensores dos direitos humanos, religiosos, ambientalistas, indigenistas, feministas e educadores populares que vêm fazendo o confronto direto ao agrobusiness da celulose. A partir de denúncias, pressão governamental, produção de materiais e informativos, campanhas públicas, mobilizações e ações de retomada de terra, articulamos nossas lutas num contexto Sul-Norte considerando a inviabilidade do padrão atual de produção e consumo.
Do continente europeu, aprendemos que à península Ibérica também coube, na geopolítica capitalista do FMI e Banco Mundial, uma grande fatia de terras cobertas pela monocultura do eucalipto. Portugal por exemplo foi ocupado com 1 milhão de hectares de eucalipto e só em Astúrias, são 80 mil hectares de terras cobertas por eucaliptais, além de fábricas de papel e celulose e a projeção, como sempre, de expansão. Entretanto o fato destes neo-colonizadores corporativos terem se imposto sobre ex-colônias e impérios com imensos monocultivos de árvores e fábricas de celulose, facilitou a comunicação da resistência, quer seja pela língua propriamente dita, quer seja pela compreensão dos impactos. A mesma ENCE que hoje avança para o Uruguai, é também profundamente criticada em Pontevedra, na Galícia. A contaminação sobre a água e o ar é a mesma que a Aracruz Celulose gera no Brasil. Com menor uniformidade, maior espaçamento e maior o ciclo do que os plantios capixabas, os eucaliptais portugueses, galegos e asturianos também se espalham por terras produtivas e agricultáveis. Considerando as devidas proporções destes continentes, as injustiças sociais e ambientais recaem principalmente sobre os povos das periferias.
Em cada espaço visitado, fomos sempre bem recebidos por ativistas, estudiosos e interessados em geral. Estivemos de centros culturais à Universidades, de comunidades à Seminários, de gabinetes à praça pública. Com uma estratégia de comunicação muito bem articulada e montada, os eventos organizados localmente e previamente divulgados, constavam de exposições de fotos, apresentações de filmes e debates. Assim fazíamos a troca com o público presente, em geral já sensível e participativo. Pudemos notar a indignação e o desconhecimento desta realidade brasileira. Ao mesmo tempo surtiam interessantes reflexões e debates sobre a realidade na Europa e as suas dificuldades. Conforme relatos, a mobilização nos países europeus é bastante complicada, pois em geral, em melhores condições de vida, não querem abrir mão de seu padrão de consumo, de norte. Ainda assim, numa perspectiva de aproximação inter-continental, o diálogo das resistências fluía para a necessária urgência de mudanças deste insustentável padrão de produção e consumo.
Nos surpreendemos no entanto, em compartilhar de uma grande marcha contra a fábrica de celulose da ENCE com 5 mil pessoas aproximadamente. Neste momento houve uma maior identificação com as nossas atividades em Rede, no Brasil. Numa perspectiva local, reivindicavam o fechamento imediato da fábrica e nós contribuímos para estender o coro para uma abrangência planetária: “não no meu quintal”. Também reforçamos o coro de inviabilidade destes grandes projetos industriais com outros companheiros da América Latina no Encontro de Sensibilização Sul-Norte. E emendamos no encontro de ONGs do Forest Movement Europe os impactos não só ambientais, mas sobretudo sociais das monoculturas, quer seja eucalipto ou cana-de-açúcar.
De modo geral, pudemos nesta Caravana dar maior visibilidade aos problemas e lutas que enfrentamos no Brasil, ampliar nossas alianças inter-continentais e conhecer de perto a realidade destes países europeus e suas organizações. Projetando uma luta comum de construção de um mundo menos desigual, articulamos momentos de fortalecimento de pressões específicas como no nosso caso, a cobrança sobre o governo brasileiro para a demarcação das terras indígenas e quilombolas do Espírito Santo, hoje cobertas por eucaliptos. Também consideramos a importância da multiplicação e maior divulgação da gravidade dos fatos apresentados nos debates para influenciar os centros de poder e sensibilizar a população a reduzir o consumo de papel. E ainda apontamos a possibilidade de ações internacionais concomitantes abrangendo toda a cadeia produtiva deste setor e seus respectivos mecanismos de financiamento.
Com tantos desafios, a Caravana cine contra o Deserto Verde foi um norte para este compromisso coletivo de construção de outros mundos possíveis além de um excelente bio-combustível.
Alacir De´Nadai, Daniela Meirelles, Eliandra Fernadez, Fabio Villas, Marilda Maracci
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